Hipócrates, ao redor do ano 430 a.C., propôs aos médicos, no parágrafo 12 do primeiro livro da sua obra Epidemia:

Pratique duas coisas ao lidar com as doenças; auxilie ou não prejudique o paciente” – ou seja, primum non nocere – antes de tudo, não provoque nenhum dano.

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Este post é um desabafo. O que me inspira a escrevê-lo foi a terrível experiência que a família de um frenchie Ville Chamonix viveu.
Pulando de lá para lá, nosso frenchiezinho resolveu dar um mortal carpado triplo do sofá para a rede e pá…, estabecou no chão. O cãozinho começou a mancar, reclamar de dores e, logo, foi levado ao veterinário clínico que o acompanhava. Sua família humana é exemplar!
Através do exame radiográfico, foi diagnosticada uma fratura em um osso (côndilo), situado na região articular do bracinho, conforme mostrado, em vermelho, na imagem abaixo:
(a quem possa interessar, a lesão foi exatamente esta: fratura completa inter e supra-condilar do côndilo medial do úmero, com discreto desvio dos eixos ósseos da fratura.)


Para a surpresa de todos, inclusive a minha – que acompanhei todo o dilema -, o veterinário diagnosticou a fratura traumática como fratura uma causada por OSTEOPOROSE!!!
Segundo, este veterinário, a “alimentação natural é ruim“. E, ainda acrescentou: “meaty bones (ossos carnudos) são péssima fonte de cálcio e o cãozinho sofreu uma fratura raríssima porque estava com os ossos fracos“.
(detalhe: este diagnóstico foi dado da maneira mais arbitrária possível, sem nenhuma solitação de densitometria óssea ou qualquer outro exame complemetar)

Bem, o que este veterinário deveria saber é que este tipo de fratura é, realmente, incomum nos cães, MAS, ocorre com maior frequência nos cães com membros curtos e pesados. É uma simples questão de física! Quanto mais longo for o membro, maior a distribuição da energia do impacto ao longo de toda a sua estrutura. Nos casos dos bracinhos e das perninhas curtas, o impacto é sofrido quase que diretamente pelas extremidades ósseas e articulação.
Para piorar ainda mais a situação, ao invés de encaminhar o frenchiezinho para um veterinário especialista em ortopedia, o veterinário clínico assumiu o caso e imobilizou a articulação do cão! Valha-me, Deus. Articulações não devem ser imobilizadas!!! Qualquer profissional da área de saúde sabe disso. Articulações paradas correm um risco ENORME de calcificarem e ficarem imóveis para sempre. O nome deste fenômeno biológico é anquilose. Mas, até este princípio básico da histologia foi esquecido por este veterinário. A maior preocupação dele era aplicar injeções de cálcio, fósforo e ferro no filhote, além, de prescrever cálcio via oral (Ossopan), vitamina A e vitamina D (Aderogil). Afinal, o filhote estava com quadro gravíssimo de osteoporose!!!!  Fico me perguntando porque esse veterinário não pediu para os pais humanos do filhote imobilizarem o cãozinho… ele poderia quebrar, se olhasse para o lado! Resultado deste rendez-vous: a mamãe do filhote procurou o serviço de atendimento da faculdade de veterinária e sugeriram cirurgia de emergência! Lhe indicaram um conceituado veterinário ortopedista para uma segunda opinião e ele confirmou a urgência do caso. O mesmo complementou dizendo que a operação deveria ter sido feita na ocasião da queda… (ah, e elogiou a dieta natural!) Na ocasião da cirurgia, segundo o veterinário ortopedista, foi observada a presença de muito tecido que daria origem a uma calcificação na região da articulação – ou seja, ele teria perdido o movimento do bracinho, se tivesse permanecido com a imobilização que o veterinário clínico lhe impôs.
Hoje, o frenchiezinho passa bem, graças a Deus e ao auxílio veterinário adequado!
Fiquei indignada com a ausência total de bases científicas nos procedimentos adotados pelo veterinário clínico. Foram muitos erros suscessivos:
1 – diagnóstico de osteoporose;
2 – prescrição massiva de suplementos para tratamento da suposta (irreal) osteoporose;
3 – imobilização da articulação.
Tanta imprudência chega a  figurar crime! A atuação de um profissional deve estar baseada em relatos da literatura científica. Ninguém tem o direito de utilizar seus pacientes como “cobaias” para seus próprios experimentos ou vitimá-las pela sua própria ignorância.  
Sabem, estou PERPLEXA com tanta iatrogenia.
Eu mesma já fui vítima de muitos diagnósticos errados. O caso acima relatado foi um erro clínico grosseiro. As críticas, por parte dos veterinários, com relação a alimentação natural e calendários vacinais individuais tornaram-se rotina. O engessamento mental impera, não há nem mesmo disposição para lerem ou pensarem sobre o assunto. Estou cansada de “diagnósticos por exclusão”, de achismos, de falta de embasamento científico nos procedimentos clínicos e, o pior de tudo, estou cansada de veterinários que estudam apenas por folhetos coloridos de representantes comerciais. Onde estão escondidos os veterinários de verdade? Encontrei poucos.
Não é preciso ser veterinário(a) para ter conhecimento veterinário, basta ter senso crítico e um pouco de curiosidade. As pessoas devem se lembrar disso para serem menos enganadas.
PRIMUM NON NOCERE
commodo
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CAMILLI CHAMONE

Pós-graduada em Genética e Biologia Molecular. Foi professora universitária federal de Biologia Celular e Genética. Criou buldogues franceses. Foi membro efetivo do Conselho Disciplinar do Kennel Clube de Belo Horizonte. Foi Diretora da Federação Mineira de Cinofilia. É editora do "Seu Buldogue Francês", o maior blog do mundo sobre buldogues franceses, e de todas as mídias sociais que levam esse nome. É palestrante e consultora sobre bem-estar e comportamento canino. Além disso tudo, é perdida e irremediavelmente apaixonada por frenchies.

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