2) Quais as causas da expansão da Leishmaniose no Brasil? A causa principal da expansão da Leishmaniose no Brasil é a falta de técnica em controle do vetor. Mesmo em um pais tão grande, é duvidosa a qualidade, tanto ética quanto técnica, dos profissionais envolvidos no controle da leishmaniose. Temos muitos profissionais, mestres e doutores, mas sem uma capacidade crítica importante, Isso, inclusive, mostra uma falha no sistema de gerenciamento de cursos de pós-graduação
3) A Portaria Interministerial 1429/2008, proíbe o tratamento do cão infectado e condena o cão à morte. O que o senhor pensa sobre isso? Na verdade a Portaria não proíbe o tratamento do animal, ela proíbe o uso de medicamento de uso humano específico para tratamento da leishmaniose. Isso acontece justamente pela falta de uma visão técnica clara dos responsáveis. Na verdade, não existe remédio veterinário ou remédio humano, o remédio existe para tratar uma doença, ele age, por exemplo, sobre o DNA do parasita e não sobre o DNA do ser humano, então não tem lógica querer proibir. A Portaria simplesmente veta, em termos, o uso dos medicamentos tradicionais para o controle da leishmaniose, o que na verdade é um grande engano. 4) Há risco para o ser humano conviver com o cão infectado? Não há risco nenhum para o ser humano conviver com o animal infectado. A Leishmaniose como acontece no caso da dengue, é uma doença vetorial. A presença de um animal doente simplesmente indica a presença do vetor naquele ambiente. O controle de uma doença vetorial se faz com o controle de vetor, é o que acontece exemplificativamente no caso da dengue, então, não há risco. 5) Existem as verdades e mitos da Leishmaniose Visceral Canina, inclusive é tema de uma de suas palestras, entre eles o tratamento. Se existe tratamento, por que tanta polêmica quanto ao uso de medicamentos?
Na verdade, o que acontece, é que no Brasil existe uma política de controle da leishmaniose através de eutanásia canina. Essa política foi implantada há mais de 15 anos, mas os resultados não apareceram. E agora, até por uma questão de moral desses técnicos envolvidos, voltar atrás seria reconhecer incompetência. Por isso, por uma questão até de falta de brilho ético, por uma questão até de vaidade e de orgulho, eles não querem voltar atrás nessa decisão, mas eles sabem que isso é ineficaz. 6) O ser humano pode transmitir a doença? Pode sim. Tanto o ser humano como o animal, e quanto mais infectado maior a possibilidade de transmitir a doença. Por isso é importante o tratamento, que tem essa eficácia de controle, . Ele reduz a carga parasitária, ou seja, diminui o número de parasitas no animal, mas não pode ser usado como única terapia. Deve ser combinado com o uso de repelentes constantes no animal, e a dedetização e controle ambiental dos mosquitos no local onde tem o animal ou a pessoa doente.
7) Então é possível o ser humano transmitir a doença? Tanto o animal como o ser humano podem transmitir a doença. Existem duas formas de leishmaniose, a chamada zoonótica e a antroponótica. A zoonótica é quando a transmissão é feita entre o ser humano e animais e animal com ser humano, quer dizer, uma via de mão dupla.
Existe a antroponótica que é aquela em que o hospedeiro, principal transmissor é o ser humano, é o que acontece, por exemplo, na Índia.
No mundo nós temos aproximadamente 400 mil casos de leishmaniose por ano. No Brasil, nós temos 4.000, ou seja, 1 % desse total.
A Índia tem sozinha aproximadamente 260mil casos de leishmaniose visceral por ano. Na Índia a leishmaniose é antroponótica, não é zoonótica, pois não há a participação do cachorro, simplesmente do ser humano.
8) O cão tratado é um transmissor ou portador? São conceitos diferentes. O transmissor é aquele que é capaz de transmitir a doença. Quanto mais sintomas tiver o animal, maior o risco dele transmitir. Posso ter um animal que é transmissor ou ter um animal que pode ser simplesmente um portador. Quanto menos sintomas tiver, menor o índice de transmissão desse animal. Voltamos à história, o tratamento se justifica por que diminui a carga parasitária e diminui o risco de transmissão. Se você aliar as técnicas sabidamente conhecidas e eficazes como o uso de coleira e repelentes, o índice de picadas diminui em até 95%. O procedimento deve ser: tratar o animal, usar repelente no animal e desinsetizar o ambiente.
9) O senhor além de médico veterinário é também advogado. O que acha que os tutores dos animais infectados devem fazer para resguardar a vida do animal e tratá-lo? Os tutores deveriam TRATÁ-LOS. A princípio está havendo uma super interpretação da lei. A lei não proíbe o tratamento. Existe um decreto de 1963 que proíbe tratar cães infectados. Naquela época não havia medicamento específico para tratamento da leishmaniose, não se fazia tratamento de cães. Posteriormente apareceram os medicamentos usados na Europa há mais de 50 anos. Outra questão que deve ser levada em conta, é que a lei de 1963 foi feita para casos de leishmaniose rural, para ambientes rurais, e não se aplica o mesmo método de controle em ambientes urbanos. O que se tem feito é usar os mesmos métodos sem resultado nenhum. Isso causa prejuízo para o proprietário, não elimina o problema e a saúde pública fica desmoralizada.
10) O que o senhor recomenda como prevenção?
11) Retornando ao tema tratamento, para que fique bem esclarecido ao leitor. Na Europa e em outros países os cães são tratados. Por que é proibido no Brasil? O tratamento não é proibido no Brasil, o problema é que quer se dar interpretação da proibição. Só pode ocorrer a proibição de tratamento mediante lei. O que existe é uma portaria restringindo o uso de medicamentos. No caso, por exemplo, da tuberculose, existe uma lei de 1942, que proíbe o tratamento de animais com tuberculose, mas em 1942 ainda não existia comercialmente a penicilina, então não tinha mesmo como tratar.
Precisamos fazer uma interpretação mais moderna dessas leis antigas. Elas não foram recepcionadas pela Constituição, então não existe proibição ainda.
12) Dr. André, chegamos ao fim desta entrevista, qual a sua mensagem sobre leishmaniose? O sério problema da leishmaniose não tem só a ver com a absoluta incompetência técnica do pessoal do Ministério da Saúde, em tratar esse assunto. Falta também o espírito cidadão de colaboração, que o brasileiro não tem. Falta o envolvimento maior das entidades responsáveis como os conselhos de medicina veterinária e sociedades de medicina veterinária, que são omissos nesse aspecto. Eles não assumem uma posição, e com isso colocam a medicina veterinária como uma profissão secundária no campo da saúde. Falta, na verdade, envolvimento, inclusive do proprietário do animal, em lutar pelo direito de tê-lo vivo, sadio e tratado, o que é absolutamente possível.
O que não pode acontecer, é vivermos duas realidades tão diferentes: um país como o Brasil, teoricamente evoluído e eticamente atrasado, onde se mata cachorro, e o resto do mundo onde se pode tratar o animal. Vivian Curitiba
Jornalista Entrevista com o médico veterinário André Luiz Soares da Fonseca. Advogado, membro da Comissão de Leishmanioses do CRMV/MS, membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS, professor de Imunologia da UFMS, Sócio fundador do BRASILEISH – Grupo de Estudos sobre Leishmaniose Animal e doutorando em Doenças Tropicais no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo. Via comunidade https://www.facebook.com/LeishmanioseCanina