“Oi Camilli, levei minha bebê frenchie ao veterinário como você sugeriu. Se ele não tivesse feito o exame de raspado de pele, poderia jurar que era SARNA DEMODÉCICA. Imagine, que palavrão!!!”
Sarna demodécica.
Todos morrem de medo dela! Inclusive os criadores de cães.
Desde o advento do Google, todo mundo é meio-entendido em tudo: meio-chef de cozinha, meio-advogado, meio-jornalista, meio-fisioterapeuta, meio-médico, meio-dentista, meio-arquiteto, meio-paisagista e, por que não, meio-excelente veterinário? 🙂
Ainda há que se considerar que essa doença também é polêmica no meio profissional.
Como a ciência e a tecnologia são “voláteis”, um veterinário precisa estar atualizado; utilizar os conhecimentos adquiridos láááá na época da faculdade não é o suficiente para lidar com as bases celulares das patologias. Por isso, talvez, tantas informações atravessadas sobre o tema, em todos os meios.
Enquanto os filhotes vivem no ambiente uterino da cadela, diz-se que eles são “germ free”. Evento semelhante ocorre com os humanos. Enquanto a mulher gesta, seu filho está protegido da maioria dos micro-organismos que entram em contato com a mãe.
Somente após o nascimento, é que a microbiota (o termo “flora” está em desuso) da pele e das mucosas vai sendo povoada por bactérias, fungos, ácaros e outros micro-organismos. E este é um processo contínuo, normal, que ocorre por toda a vida do indivíduo.
No caso dos humanos, a boca possui – no mínimo – 500 espécies de bactérias distintas, além de fungos. Por mais incrível que pareça, para cada célula humana em nosso corpo, há 10 células de micro-organismos aderidas ao nosso corpo (interna e externamente), que somam algo em torno de 1 kg de peso. Não há problema algum conviver com todos estes micro-organismos, pelo menos para mim, que não sou imunodeprimida. A propósito, leia nosso texto
Bactérias São Legais!
Com os cães, o mesmo processo de colonização de micro-organismos ocorre.
Tão logo saem do ambiente uterino, os filhotes entram em contato com essa vida microscópica e dá-se início à colonização de pele e mucosas.
Bem, a história da sarna demodécica começa aí.
O que todas as pessoas precisam entender é que 100% dos cães possuem um ácaro, em pequenas quantidades na pele, chamado demodex canis. Podem ser os sharpeis da Xuxa, pode ser o Barney – scottish terrier – do, ainda, presidente Bush, pode ser o Leo que chegou do Canadá, podem ser os vira-latas de meu pai. TODOS, absolutamente todos os cães da face da terra possuem um ácaro na pele/pêlo, chamado demodex canis.
E, claro, quando os filhotes nascem, eles entram em contato com a mãe e adquirem este ácaro. Assim como também adquirem streptococcus, staphilococcus, lactobacilos, fungos e outros micro- organismos. ISSO É NORMAL! Não há nada de errado com isso. Cães não ficam doentes porque a mãe tem o ácaro na pele.
É importante que as pessoas saibam que até 01 (um) ano de idade, a imunidade do filhote é MUITO flutuante – isso também acontece com humanos! Por isso, muitos humanos de estimação se impressionam com a necessidade de constantes visitas ao veterinário, no primeiro ano de vida. Mas, fique tranquilo, depois dos 02 (dois) anos de idade, esse cenário muda completamente!
Durante essas flutuações de imunidade, muito comuns no primeiro ano de vida, alguns micro-organismos da pele – que também são oportunistas – podem se desenvolver mais, alterando o equilíbrio da microbiota normal. Por isso, podem surgir áreas com perda de pelo provocadas por fungos, bactérias ou pelo demodex canis. Com esses micro-organismos é assim: bobeou a gente pimba!
A proliferação exacerbada do demodex canis na infância pode nunca mais recidivar, uma vez tratada, ou pode ocorrer em outros episódios, caso a imunidade do cão mantenha-se instável por motivos diversos (doenças crônicas, deficiências nutricionais, gestação, etc.). A sarna demodécica é uma questão imunológica! (não existem evidências científicas de que seja genética)
Escutei uma excelente metáfora sobre a sarna demodécica que diz o seguinte: “O fato de alguém tomar um porre, não o qualifica como alcoólatra”. Pois é! Com a sarna demodécica também é assim! Ter um episódio da doença não significa que outros ocorrerão. (Se você é o médico-veterinário autor dessa brilhante metáfora, por favor, avise-nos! Adoraremos indicar você para as muitas pessoas que nos escrevem pedindo indicações profissionais.)
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