Eu estava escrevendo um artigo sobre criação de cães, genética e doenças relacionadas a cada raça canina, quando encontrei  THE CANINE DIVERSITY PROJECT.

Este site dispõem, de uma maneira bem interessante, os princípios genéticos aplicados a boa prática da criação de cães de raça pura. É importante, não só para criadores, mas também, para todos que se interessam por cães!
Resolvi traduzir os seus artigos e “Eliminando Mutações: o sonho impossível”  é o texto de hoje. Algumas alterações foram feitas, como a inserção de imagens – nada que modificasse o conteúdo – , tendo como objetivo torná-lo mais didático, uma vez que a linguagem poderia ser demasiadamente técnica e a maioria das pessoas que vai lê-lo não é geneticista ou profissional de saúde. O glossário de termos genéticos poderá lhe ser útil. 
Boa leitura!
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Embora não seja possível eliminar todos os “alelos ruins”, a incidência de determinadas doenças pode ser bastante reduzida através de acasalamentos inteligentes, associados aos testes de DNA.

Por que existem as mutações?
Mutações são alterações no DNA que afetam o correto funcionamento de um gene. Elas ocorrem naturalmente, em função de erros de replicação, emparelhamento errado de cromossomas homólogos ou exposição exagerada de radiação natural (UVA/UVB). Mutações podem ocorrer no DNA de qualquer célula.
Somente são hereditárias quando ocorrem no DNA de células germinativas – óvulos e espermatozóides -, mas, mutações no DNA de outras células podem resultar em multiplicações desordenadas dessas células e formações tumorais (câncer). Mesmo assim, o sistema enzimático de reparo do DNA é bastante acurado, e sempre há enzimas detectando e corrigindo erros. Entretanto, nenhum sistema é perfeito e devemos considerar que  algum nível de mutação é inevitável.
Porém, as taxas de mutação são aumentadas por radiação, incluindo luz ultravioleta , exposição a certos agentes químicos tóxicos e até alguns tipos de vírus. Devemos, entretanto, nos precaver e minimizar os riscos.
As taxas de mutação em cães não podem ser determinadas de imediato, mas, a partir de evidências indiretas e estudos comparativos com outras espécies, geneticistas acreditam que sejam na ordem de 1:100.000 ou menos. Do ponto de vista prático, isso significa uma nova mutação a cada 100.000 gametas. Parece uma pequena probabilidade, mas, considere que os mamíferos carregam de 80.000-100.000 genes . Isso sugere que cada indivíduo nasce com uma boa chance de possuir uma nova mutação em algum gene.
O que acontece com as novas mutações?
Mutações idênticas raramente ocorrem simultaneamente, nos mesmos alelos, dos mesmos pais (probabilidade: < 1 em 10 bilhões), então, toda progênie será heterozigota (exceções quando há genes ligados ao sexo, e os cromossomos X e o Y não são homólogos). Mutações provocadas por “alelos dominantes” serão manifestadas e as mutações provocadas por “alelos deletérios” (que provocam morte) serão eliminadas da população. Se a mutação é “recessiva” e, eventualmente, ela se manifestar, o planejamento reprodutivo poderá diminuir a freqüência dessa mutação. Se a mutação é “neutra“, não interfere na qualidade de vida do indivíduo, é apenas indiferente, sua manutenção no genoma será determinada pela “deriva genética”.
A deriva genética é um mecanismo evolutivo, aleatório e eventual. Ocorre mais freqüentemente em pequenas populações, modificando a freqüência dos alelos e a predominância de certas características.
Novas mutações mantêm-se escondidas da seleção genética até que encontrem freqüência gênica suficiente para manifestar-se. Entretanto, este fato não impede a deriva genética, que não depende do fenótipo para acontecer.
Observe:
Se um gato amarelo acasala com um marrom, seria esperado que nascessem amarelos e  marrons! Mais comumente, na frequência de 1:1.
Mas, olhem, nessa ninhada, nasceu um gatinho azul (mutação dominante)!!!
Suponha que tenhamos apenas 1 gato azul (Aa), todo o restante não é azul (aa). O único gato azul (Aa) tem 50% de chances de passar o alelo A para toda a sua progênie. Neste caso, a freqüência do alelo A vai subir e subir, cada vez que os gatos azuis forem acasalados. Em uma população grande, a tendência é que esses alelos entrem em equilíbrio e mantenham-se em pequenas freqüências. No entanto, populações pequenas são intrinsecamente instáveis e, se outros fatores intervierem, apenas um alelo pode, eventualmente, assumir enormes proporções. Esse fenômeno é chamado fixação. O tempo que demora a um alelo fixar-se na população depende apenas do tamanho da população. Em raças caninas consideradas raras, a fixação pode ocorrer em 25 gerações. Algumas mutações recessivas persistem por gerações, em baixos níveis, antes de serem perdidas. Apenas raramente, elas atingem níveis elevados na população (>1 em 1000). Quando uma população é avaliada, observa-se que esses alelos apresentam-se  efetivamente monomórficos, ou seja, suprimidos por um alelo dominante. A probabilidade de 02 (dois)  indivíduos carrearem a mesma mutação, produzidas independentemente – sem ter ancestrais em comum – é de 1 em 1 milhão. [Notavelmente, no estudo “Erros de metabolismo de recém nascidos”, Garrod (1902), observou que “entre os descendentes de pais saudáveis – que não apresentavam determinada anomalia -, uma proporção de 60% dos primos acasalados entre si apresentaram problemas.” E, apenas 3% de todos os acasalamentos ocorreram entre primos de primeiro grau.]
Vários trabalhos podem nos mostrar padrões de acasalamentos de indivíduos em uma dada população e todos nós sabemos que problemas podem acontecer. Se um padreador popular reproduz muito, seus alelos mutantes aumentarão substancialmente nas próximas gerações. Novas mutações poderão aparecer de pequenas a grandes freqüências alélicas. Tão quanto insistimos em fazer alterações em uma população, mais arriscamos em introduzir novos problemas, tão rápido quanto os testes para diagnosticá-los se tornam antigos. Carga genética e o efeito fundador
A população humana carrega, pelo menos, 2500 alelos deletérios.  A maioria deles é distribuída de maneira igual na população. Para a totalidade da população de Canis familiaris, a situação é bem similar. Estima-se que cada indivíduo carrega 3 ou 4 alelos letais, que os mataria em situação de homozigose. Como eles são recessivos, eles não causam nenhum problema. Entretanto, considere uma subpopulação de 10 indivíduos,  que é formada a partir de uma população muito maior. Então, esses indivíduos não carregarão a vasta maioria indesejável dos alelos recessivos deletérios, encontrados na maioria da população – o pouco que eles carregam será promovido rapidamente a alelos raros (0,1% ou menos) para, no mínimo, 5% de nossa amostra (ou mais, geralmente, ½N, onde N é o número de fundadores). Como a deriva genética (randômica) tem um enorme impacto na população, essa precisa crescer rapidamente, pelo menos muitas centenas de cruzamentos, para minimizar a perda de alelos valiosos. Durante este tempo, a seleção deve ser cautelosa. Enquanto é verdade que “fixar o tipo” é um dos objetivos dos criadores de cães de raça pura, uma seleção muito rigorosa, durante as primeiras gerações, aumenta a possibilidade de perda acidental de alelos importantes. Dálmatas, por exemplo, são deficientes em uma enzima necessária para a correção do metabolismo do ácido úrico. O alelo mutante parece estar ligado ao alelo que produz as marcações pretas sobre a pelagem branca e, aparentemente, foi, inadvertidamente, fixado quando os primeiros criadores da raça começaram a trabalhar na pelagem destes cães. (Nash, 1990) Reconhecendo mutações
Então, em uma freqüência alélica de 5%, indivíduos afetados devem ser de apenas 0,25% da população e deve-se evitar que estes números avancem.  Entretanto, uma mutação ocorrendo a esta freqüência pode ser reconhecida? Se estivermos falando sobre raças que possuem médias de ninhadas de 4 filhotes, então, estamos apenas observando 1 ninhada em outras muitas, com um filhote afetado. Se não há outros casos conhecidos, o criador pode simplesmente acreditar em “uma dessas coisas que acontecem”… mas, muitas vezes, não é! Em raças com ninhadas enormes, com 2 ou mais filhotes afetados ocorrendo na mesma ninhada. Mas,  mesmo nestes casos, a ausência de troca de informação entre criadores e a falta de conhecimento em genética podem resultar em dificuldade para identificar o problema genético. Seleção
Seleção é efetiva apenas se estamos lidando com fenótipos facilmente identificáveis. Entretanto, determinadas mutações indesejáveis não são sempre tão comodamente reconhecidas. Há enormes possibilidades das mutações “funcionarem”, como simplesmente não produzindo nenhum efeito significante até falharem o funcionamento de todo o organismo. Há ainda uma pequena possibilidade de melhora da vida do indivíduo, através das mutações. As mutações silenciosas não são perigosas. Entretanto, aquelas que alteram o funcionamento do organismo, e não são eliminadas, são problemas consideráveis. Um exemplo é a mutação vWD em dobermann, doença conhecida como Síndrome de Von Willebrands. Essa mutação elimina 85-90% do fator da coagulação, mas seus pequenos níveis são ainda suficientes para proteger os indivíduos afetados homozigotos de uma hemorragia interminável, na maioria das situações. O cão que é “sortudo” o suficiente para manter-se longe de ferimentos e atos cirúrgicos pode não ser diagnosticado com este mal e, pode, inclusive, ser acasalado.  Conseqüentemente, a freqüência deste alelo mutante é ligeiramente maior que 50% na população canina (Brewer, 1999). Isso não deve ser tratado como uma exceção. Menos que uma, em três mutações são totalmente letais e as outras se manifestam de maneiras diferentes, num espectro de atividade de 0 a 100%, dependendo do indivíduo. Além de lidar com doenças genéticas facilmente identificáveis, em uma raça, estamos lidando com outros padrões não tão óbvios. Se perdermos a funcionalidade de um alelo a ponto de fazê-lo funcionar em 10-15% de sua capacidade, como seriam os indivíduos que funcionassem a 80-90% de suas funções normais? Por que isso deveria ser um problema?
Em uma pequena população, a deriva genética, inevitavelmente, leva à fixação de um alelo. Se cada alelo tiver sua freqüência reduzida, e os efeitos são somatórios, rapidamente lidaremos com problemas relacionados à depressão endogâmica: diminuição significativa do número de filhotes das ninhadas, diminuição da expectativa de vida, maior predisposição a doenças não-genéticas. E, novamente, não teríamos genes facilmente  identificáveis para trabalhar. Conclusões
Longevidade e fertilidade, indicativos fartamente mencionados da  “depressão endogâmica” estão reduzidos em populações caninas que sofreram inbreeding em um espaço de tempo relativamente curto (Laikre and Ryman, 1991; Nordrum, 1994). Entretanto, a maioria dos acasalamentos endogâmicos não parece ser intencional, da parte dos criadores, que acasalam parentes próximos (claro que há exceções), mas, sim, devido à perda de diversidade, ocasionados pela deriva genética e seleção.  A perda resultante das escolhas faz qualquer cão ser aparentado entre si, não importando as escolhas e a estratégia empregada no melhoramento. Os resultados de cada raça irão depender de sorte (sim!) e da história da raça. Qual é o tamanho efetivo da população? Quantos são os fundadores? Quanto tempo levou a raça para ser formada? Quão intensa é a seleção para definir o tipo? Tem-se observado efeitos gargalo durante este processo? Quão forte é a influência dos padreadores populares no desenvolvimento da raça? O que podemos fazer?
1.       Podemos controlar algumas doenças genéticas apoiando a pesquisa de genes e o desenvolvimento  de testes de DNA para os alelos mutantes. Os resultados devem ser empregados de maneira que os carreadores de determinados alelos mutantes sejam acasalados somente com indivíduos não-carreadores, ao invés de acasalar apenas os indivíduos não-carreadores entre si. Essa atitude mantém o pool genético estável e impede o empobrecimento do conjunto de genes. 2.       Podemos explicar aos criadores que as mutações sempre estarão entre nós e não são indicativo de falha ou má prática, e que, uma abertura na troca de informações produzirá enormes recompensas. Podemos, também, mostrar-lhes meios para atingir seus objetivos pessoais, sem fazer escolhas que são prejudiciais para a raça que criam. 3.       Podemos tentar educar os clubes de raça, sobre a importância de maximizar a diversidade no genoma. Dr.  Malcolm Willis, em uma conferência da AKC, relatou que muitos criadores não tem a menor idéia dos principais problemas genéticos das raças que criam, quantos filhotes nascem em média por ninhada ou quanto tempo vive, em média, um cão adulto! Menos ainda, tem idéia em como conservar a diversidade genética ou reduzir a endogamia…
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Nota:  Baseado no estudo de 3 a 5 gerações de pedigrees de cães das raças Australian Shepherds, Clumber Spaniels, Poodles Standard and Malamutes.
___________ Referências:
Brewer, G.M. (1999) DNA Studies in Doberman von Willebrand’s Disease. Available online at: http://www.VetGen.com/vwdrpt.html Garrod, A.E. (1902) The incidence of alkaptonuria: a study in chemical individuality. Lancet 2: 1616-1620. Available online at: http://www.esp.org/foundations/genetics/classical/ag-02.pdf
Laikre, L. and N. Ryman (1991) Inbreeding depression in a captive wolf (Canis lupus) population. Conservation Biology 5: 33-40. Nash, J. (1990) “The Backcross Project” in The Dalmatian Quarterly, Fall 1990, Hoflin Publishing Ltd. Nordrum, NMV (1994) Effect of inbreeding on reproductive performance in blue fox (Alopex lagopus). Acta Agriculturae Scandinavica, Sect. A, Animal Sci. 44: 214-221.

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CAMILLI CHAMONE

Pós-graduada em Genética e Biologia Molecular. Foi professora universitária federal de Biologia Celular e Genética. Criou buldogues franceses. Foi membro efetivo do Conselho Disciplinar do Kennel Clube de Belo Horizonte. Foi Diretora da Federação Mineira de Cinofilia. É editora do "Seu Buldogue Francês", o maior blog do mundo sobre buldogues franceses, e de todas as mídias sociais que levam esse nome. É palestrante e consultora sobre bem-estar e comportamento canino. Além disso tudo, é perdida e irremediavelmente apaixonada por frenchies.

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