Preguiça total de levantar para atender o telefone…
Optei por não comprar o telefone sem fio depois que assisti a reportagem de quantas calorias as pessoas estão deixando de gastar e como estão se tornando mais “fofinhas” com as, aparentemente, pequenas mudanças de hábitos das últimas décadas, como, controles remotos, telefones sem fio, vidros elétricos, direção hidráulica dos automóveis, elevadores para prédios pequenos, etc e tal.
Mas, levantei e atendi.
Feitas as devidas apresentações, essa foi nossa conversa:
– Camilli, o kennel clube me indicou você. Minha cadelinha está no cio e eu estou querendo cruzá-la.
– Olha, XXXX, eu não faço acasalamentos externos dos meus cães, mas posso te ajudar se você quiser.
– Quero sim, Camilli. Hoje veio um buldogue francês macho na minha casa, que o criador YYYY trouxe, mas eles não conseguiram cruzar.
– Sabe qual é o problema, XXXX? É muito difícil buldogues franceses fazerem monta natural. Aqui em casa eles só se reproduzem por inseminação artificial. O focinho muito retraído e o esforço que o macho faz durante a monta natural podem ser fatais para ele nesse nosso calor.
– É mesmo? Sabia que esse machinho era bem diferente da minha cadelinha? Ele tinha o focinho bem comprido…
– Você sabia que os buldogues franceses só nascem de cesárea?
– É mesmo??? Não acredito!
– Pois é. Antes de vender qualquer filhote, você já terá que desembolsar, pelo menos, R$ 1000,00.
– Nossa, Camilli, mas assim você me desanima…
– Então, deixe-me te perguntar uma coisa: você fez algum exame na sua cadela, antes dela entrar no cio, para saber se ela não é portadora de nenhum doença genética, que possa ser passada aos filhotes?
– Ué, tem isso?
– Tem sim, XXXX! Ela tem que ter sua coluna radiografada, tem que estar com exame de brucelose recente negativo, as patelas tem que ser normais, hormônios da tireóide têm que estar em níveis normais, não pode ter doenças cardíacas nem oftálmicas, não pode ter sarna demodécica, vacinação/vermifugação devem estar em dia e ela deve ter um hemograma super recente. Isso atestará, aos futuros compradores dos filhotes, que ela é uma cadelinha normal, apta a gestar. Inclusive, o “pai” da ninhada também deve ter os mesmos laudos que atestem sua saúde. Não deixe de exigir isso. A propósito, qual o seu nome de pedigree?
– Não sei, Camilli…
– Hummm… este é outro dado importante que deve ser sabido de “cor e salteado”, XXXX! Já pensou se você a acasala com um irmão? Nem ao pedigree dos filhotes você terá direito… Alem disso, é importante avaliar alguns aspectos da cosanguinidade.
– Nossa, Camilli! É muito complicado!!! Eu não tinha a menor idéia que as coisas eram assim…
– Você não tem idéia… Quer ver como as coisas podem se tornar ainda mais complexas?
– Me conte!
– Depois que os bebês nascem, para evitar que a mãe deite/esmague os filhotes, você precisa vigiá-los 24h por dia (ou contratar alguém que o faça). Os filhotes ficam separados da mãe e nos primeiros 10 dias, são colocados para mamar a cada 2h, dia e noite.
– Mas, Camilli, isso parece um pesadelo! (risos)
– Vou ser bem sincera com você, XXXX. Acho que criar cães é coisa de gente meio maluca! Tem gente que gosta loucamente de fumar, tem gente que gosta loucamente de futebol, tem gente que gosta loucamente de bordar e eu gosto loucamente de criar buldogues franceses!
– Camilli, fiz uma busca na internet e existem muitos sites que vendem buldogues franceses, de todas as cores e preços…
– Essa é outra questão muito importante. Veja bem, eu me sinto responsável por todos os filhotes Ville Chamonix. Se houver algum problema, com algum filhote seu ou se o dono precisar devolvê-lo, por outro motivo qualquer, você o receberá de volta, a qualquer tempo?
– Camilli, mudei de idéia. Eu não sabia que era tão complicado isso de cruzar cachorro. Você poderia me indicar um bom veterinário que pudesse castrar a minha cadelinha?
Indiquei o veterinário da minha confiança.
Ainda conversamos mais sobre os benefícios da castração e fui deitar feliz.
Não quero mudar o mundo com as minhas idéias, não pretendo brigar para me fazer entender, mas acredito muito na coerência das minhas atitudes e me sinto esperançosa quando testemunho atitudes como a do XXXX.
Acredito que ele não queria explorar financeiramente sua cadelinha, torná-la uma “máquina de níqueis”, talvez quisesse apenas que seus filhos experimentassem “o milagre da vida” ou, ainda, receber “de volta” o valor pago pela cadela, quando filhote.
Mas, agora, ele deixou de ignorar a realidade – nada romântica – das consequências do acasalamento de um macho, com uma fêmea no cio.
E, acasalando-a, deveria optar entre assumir muitas responsabilidades ou ser mais um, entre tantos outros, como este: