Quando era criança, aos finais de semana, costumava ir ao biotério da UFMG com meu pai. Ele é pesquisador em imunologia e suas pesquisas exigiam a utilização de camundongos, nos experimentos.
O biotério era bastante fedorento, mas o cheiro era a única coisa me incomoda. Naquela época, sequer eu pensava que animais pensavam, que sentiam, que tinham vontades, necessidades e desejos. Realmente, eu acreditava que aqueles bichos existiam porque deveriam a servir à ciência – e só.
No primeiro ano da faculdade de odontologia (em 1992), meu olhar sobre a experimentação animal não tinha evoluído muito… Lembro-me bem da aula sobre o SNC, ministrada na disciplina de fisiologia, em que a professora espetou a cabeça de um pombo, para mostrar que lesões no cerebelo provocam alterações na marcha e no equilíbrio – e ela provou seu ponto: o pombo realmente ficou andando como um bêbado, no chão do laboratório. Ainda fizemos experimentos que envolviam a morte de camundongos (um golpe rápido e fatal no pescoço), sapos e cachorros.
O mestrado variou pouco – a diferença é que, dessa vez, não tive acesso aos corpos dos animais, apenas recebia o sangue deles e fazia as análises de DNA, para o meu experimento.
Sem dúvida alguma, a ciência pode avançar vultosamente graças à experimentação animal. Todos, absolutamente todos, os medicamentos e vacinas liberados tiveram a sua fase de experimentação em animais não humanos antes de entrarem no mercado. Meu filho caçula sobreviveu a uma sepse neonatal graças à existência dos antibióticos. Cheguei ilesa à idade adulta provavelmente por causa das vacinas. Meu pai tem qualidade de vida, mesmo tendo doença de Parkinson, graças à medicação que usa diariamente. Entretanto, algo mudou em mim.
Hoje, sei que cada espécie animal tem um repertório de necessidades e de comportamentos naturais. Sei que os animais pensam. Sei que os animais sentem. E, apesar de ser absurdamente grata aos avanços da ciência, graças à experimentação animal, também entro em um conflito interno quanto ao uso dos animais em laboratório.
No fim do último agosto, participei de um simpósio sobre neurociências. Na palestra sobre modelos animais da depressão em humanos, a pesquisadora descreveu o seu experimento: camundongos eram tratados com overdose de corticosteroides, para indução da depressão, e o diagnóstico da doença consistia em jogá-los em um tanque de água – os ratos não deprimidos nadavam e os deprimidos se afogavam. Escutei isso é só consegui pensar no sofrimento dos ratinhos.
Em outra palestra, sobre hiperexcitabilidade neural pós trauma, o palestrante descreveu que os camundongos eram golpeados na cabeça e o quadro inflamatório gerado no pós-trauma era acompanhado e avaliado, antes de eles serem mortos e de terem seu cérebro dissecado.
Honestamente, preferiria viver a minha vidinha ignorando esses aspectos não empáticos da ciência, porque agora me vejo em um dilema existencial: amo a ciência, vivo dela e sou grata a ela. Mas, me condoo com as condições em que vivem esses animais (em gaiolas, sem acesso regular ao sol, sem manifestar seus comportamentos naturais, o bem-estar deles é bastante comprometido e
o estresse gerado pela baixa qualidade de vida, inclusive, impacta no resultado dos experimentos) , me condoo com o sofrimento deles, gerado pelos experimentos, me condoo com as mortes sofridas (afogamento, por exemplo).
Virtualmente, qualquer animal não humano e que não esteja em vias de extinção tem potencial uso na experimentação animal: coelhos, porquinhos de índia, camundongos, cães, gatos, ruminantes, primatas, coelhos, morcegos, etc.
Será que no futuro, nossos descendentes olharão para nós, aqui em 2018, e se perguntarão como tivemos a coragem de ignorar o que os animais sentiam?
O que você pensa sobre esse tema?