(Por Vanner Boere – Médico Veterinário, Doutor em Neurociências e Comportamento, Professor da UNB)
Uma colega, professora de Educação Física, me encontrou na academia e, um pouco constrangida, veio me falar que a família estava à procura de uma fêmea para cruzar com o “Turbo” (um schnauzer mini). Argumentou que ele já se encontrava na idade adulta e que agora havia “chegado a hora de acasalar com alguma fêmea”. Pediu-me, a colega, que a ajudasse a encontrar o par ideal, embora ela, particularmente, não concordasse com os filhos e com o marido sobre a “necessidade de experiência reprodutiva” para o Turbo.
Claro, sorri compreensivamente e concordei que é legítima a preocupação dos donos com as necessidades comportamentais dos seus cães. Mas ponderei que era desnecessária a procura e que ela tinha razão em discordar do resto da família.
“Meu cachorro ainda é virgem: devo me preocupar em cruzar o meu cão?”
Essa é uma dúvida frequente entre os tutores de cães. Aliás, a dúvida tem variantes tais como:
“Se eu não o cruzar ele vai se sentir infeliz?”
“Ele poderá se tornar menos masculino se não cruzar?”
“Ele está muito nervoso, será que cruzando ele ficará mais calmo?”
Os cães, como a maior parte dos animais, são preparados para a reprodução com estruturas anatômicas, hormônios e um cérebro que, quando estimulado, altera o comportamento. Da adolescência à idade adulta, a presença de cadelas em cio, seus feromônios (moléculas exaladas pelo corpo que estimulam ou inibem o comportamento de animais da mesma espécie), tumefação vulvar e comportamento, estimulam o comportamento dos machos. A corte e a tentativa de cópula seguem o contato entre o macho e a fêmea nestas condições. Muitas vezes, as cópulas não são bem sucedidas, porque há um rechaço por parte da fêmea, inabilidade ou simplesmente devido às poucas tentativas por parte do macho.
Apesar da capacidade reprodutiva, não há fatalismo reprodutivo, isso é, não é obrigatório um animal se acasalar para ter aumentada a saúde ou o seu bem-estar. Evidências estatísticas sobre o ciclo de vida sugerem que a maior parte dos animais domésticos não se acasala ou reproduz durante toda a vida. Não há efetivamente, algum estudo científico sistemático que demonstre que cães que não se acasalam são mais estressados do que aqueles que reproduzem. Ou que a falta de acasalamento durante a vida leva a um estado psíquico anormal.
Além disso, o sexo é arriscado. Qualquer contato entre sexos opostos demanda grande dispêndio de energia e, no afã das tentativas de acasalamento, muitos comportamentos de risco podem afluir. Corridas frenéticas, montas bruscas e a agitação do contato podem ultrapassar a capacidade física do cão, ocasionando lesões. Na corte, não é raro haver uma agressão ritualística com mordidas que pode ocasionar ferimentos sérios.
O apetite parece ficar suprimido quando os cães estão em contato sexual e é comum uma queda no peso. O contato entre um casal de cães com potencial para acasalar pode ocorrer em ambientes estranhos para alguns deles (canil de outro proprietário, por exemplo), onde os patógenos e parasitas no ambiente podem ser novos para a memória imunológica do visitante. Casos clínicos são comuns após um período de acasalamento.
A preocupação com a vida sexual do cão é legítima, mas encontra raízes imiscuídas em nossa cultura: é muito mais produto de uma sociedade masculino-referenciada, do que necessariamente uma preocupação baseada nas necessidades biológicas dos cães. Portanto, a preocupação é legítima se a reprodução é desejada do ponto de vista de propagar determinada linhagem. Um cruzamento programado, com um casal de cães compatíveis e com o destino certo dos filhotes, são pressupostos para gerar ninhadas bem-vindas. Mas, se o cruzamento visa a satisfazer as “necessidades masculinas”, então é totalmente desaconselhável, considerando que não há base científica associando problema de saúde com a falta de “experiências sexuais” do seu cão. Outras atividades, como passeios, exercícios físicos, brincadeiras, afago e comunicação com o cão satisfazem em 100% suas necessidades básicas comportamentais.
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Pós-graduada em Genética e Biologia Molecular. Foi professora universitária federal de Biologia Celular e Genética. Criou buldogues franceses. Foi membro efetivo do Conselho Disciplinar do Kennel Clube de Belo Horizonte. Foi Diretora da Federação Mineira de Cinofilia. É editora do "Seu Buldogue Francês", o maior blog do mundo sobre buldogues franceses, e de todas as mídias sociais que levam esse nome. É palestrante e consultora sobre bem-estar e comportamento canino. Além disso tudo, é perdida e irremediavelmente apaixonada por frenchies.
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